Amar através de uma caixinha transparente...é contemplar a beleza do nosso filho...fragil, pequeno, com movimentos lindos que nos fazem chorar...é o tempo parar enquanto ali estamos...praticamente sem fazer nada....apenas se ama...é ficar angustiada quando ouvimos um apito e muito rapidamente chamar alguém....é lutar contra aquela sensação de impotência...nao se pode fazer nada...nao se pode mexer nem pegar.... É ir para casa sem bebé e nao saber se amanhã estará tudo bem....sao pequenas vitorias que nos fazem sorrir por momentos e ter esperança e no momento a seguir tudo fica pior.... É viver momento a momento...segundo a segundo...pára-se no tempo...e vive-se aos poucos...aos soluços.... É chorar ao ver a boquinha do nosso filho a fazer bolhinhas...é ver ele a dar pontapés e socos e imaginar que poderia ser dentro da barriga.... É estar em casa e receber um telefonema...."venham depressa" e naquele momento a viagem é feita sem pensar...depressa...temos de ir...podemos nao chegar a tempo... É chegar e ver que ele lutou....lutou muito...e assistir aos ultimos suspiros...os batimentos cardíacos a baixarem devagarinho...e a cada valor que baixa é uma faca no nosso coraçao....é saber que só duas pessoas podem ali estar mas é tudo tao mau que estao 3.... E apesar de tudo...foram os melhores momentos....Nao os trocava por nada..pude estar com o meu filho...foram 6 dias preciosos que guardo bem ca dentro...
Tenho ouvido muita coisa nos últimos tempos...tenho lido pesquisado muito...mas há coisas que sempre soube por muito que me dissessem que não seria assim... Quando um bebé morre, é "normal" ouvir a cada instante: "não tinha de ser" "vocês são novos" "logo logo estarás grávida" "ele ia sofrer" "vocês iam sofrer" "ele morreu de quê"....e fico-me por aqui...esta é sempre a pergunta chave...por curiosidade, para perceber, pela confiança, amizade que se tem....a conversa vai sempre parar ao mesmo é inevitável...tenho a certeza e sei até que muitos pensaram que ele tinha alguma mal formação, porque é sempre assim...é mais fácil...aquele sentimento detestável que é a pena...se tiver uma má formação o assunto morre ali, é uma escapatória, é encontrar uma razão simples porque as coisas acontecem...eu compreendo... Mas eu sempre soube, intuição de mãe talvez, intuição de mulher... afinal era eu que estava grávida e sempre senti isso, eu sempre soube que o nosso filho era perfeito
Outros dizem de certeza: lá está ela, a escrever, a falar, isto nunca mais há-de acabar...acho que nunca me vou calar, aliás pouca gente me ouve realmente, sem clichés, por isso falo sozinha, escrevo para as paredes, liberto-me...não escrevo para agradar ninguém nem para chocar nem para me fazer de vítima nem porra alguma....escrevo para me libertar do peso que tenho, falo porque preciso, faz-me bem...tudo viverá para sempre em mim...não procuro pena nem comiseração... O silêncio é inimigo....com isto perdi qualquer filtro que antes tinha...se quero dizer não, digo que não, se não me apetece não me apetece, não me exijo aquilo que não gosto...hoje não quero saber o que pensam, o que julgam, se gostam, se não gostam, realmente é-me indiferente tudo isso. Se este ano não me apetecer fazer o Natal, eu não vou fazer o Natal com estrelinhas e luzinhas e não é por isso que estou a ficar maluca, se não me apetecer estar com ninguém é porque quero estar sossegada no meu canto e não quer dizer que me enfie em casa a berrar em choradeiras...se nao me apetece falar ou estar contigo eu nao vou falar nem estar contigo e não estou a virar anti-social...é apenas um luto, simples assim. A vergonha que muitas pessoas têm é o que as faz calar, medo de serem julgadas, medo da pena, medo por estarem infelizes e verem os outros felizes, por falarem daquilo que já passou, que correu mal...vergonha disso tudo.... Têm-me chegado muitas confidências, coisas que nunca suspeitei como é obvio, que nunca soube e são muitos os silêncios por aí...as pessoas à nossa volta silenciam-nos...e isso dói muito... Não quero guardar tudo para mim pois o peso é enorme, partilho com os meus e partilho com quem me queira ouvir ou ler...não espero que me compreendam pois é complicado para mim dizerem que me compreendem quando não passaram pelo mesmo...eu compreendo isso também...mas isto nao é o mesmo luto que se faz por um pai/mae/irmao/tio/sobrinho/avo etc etc....só é igual quando é igual ponto final. Há sempre tanto a escrever é sempre tudo muito pouco....acredito que há coisas que se podem prevenir mas há outras coisas que têm de acontecer para descobrirmos outras mais...a vida é difícil porque há vários caminhos e depois de escolhermos um ficam todos aqueles outros "ses" ....é inevitável...viver é mesmo isso e por vezes dói assim muito. Nunca irei saber "se fosse isto se aquilo"...agora é estupido tudo isso...não faz sentido...falo hipoteticamente sobre as coisas mas não sofro com isso...revolto-me com muita coisa...tem-se dias maus....mas resta aceitar e aprender, da pior forma que pode haver sim, mas é bagagem que se leva para o resto da vida...
É tão estúpido quando vamos a uma consulta e a primeira pergunta que sai: está grávida de quantas semanas?? Não me espanta a estupidez humana, já ando habituada, choca-me é a falta de profissionalismo. As minhas consultas serem no mesmo sítio em que grávidas felizes ouvem o coração dos seus bebés, acariciam a barriga etc etc choca-me um bocadinho mas o que me espanta mais é a médica não estar preparada para o meu caso, não estar minimamente a par do que aconteceu, não estar... minimamente humanizada e sensibilizada com estes casos. Não é normal levar com este filme durante 2 horas (mais até, cheguei mais cedo), não é normal perguntarem-me: e o bebé? Não é normal dizerem-me: não tem nada escrito na testa a dizer o que se passou nem é uma urgência... Eu até compreendo o lado delas...consigo vá...agora compreenderem o meu...parece que sou eu que estou maluca e os outros andam todos bem da cabeça. Custa muito colocar em letras garrafais na porcaria de uma agenda que aquela consulta x é situação difícil, diferente??? Custa muito ler um processo clínico por alto? Custa muito tratarem os outros sem sermos mais um da lista? Até quando as pessoas vão continuar a encarar estes casos em primeira instância com um "fica para a próxima" "não tinha de ser" "são novos" "acontece" "vai-se esquecendo" "vai melhorando"... Fico muito revoltada quando tratam destes assuntos muito levianamente...é tudo menos leve...tretas tudo tretas...vocês sabem lá...
Hoje choveu o dia inteiro...esteve um dia cinzento...segundos depois do funeral o sol brilhou. O anjinho Sebastião chegou nao foi sozinho, levou um ursinho do pai e a letra do seu nome feita pela mãe Fica a saudade de o pegar ao colo e sentir a sua pele, um cheirinho bom, a bebé, sentir o quente do seu corpinho frágil, ver os olhinhos a piscarem, vê-lo a espreguiçar-se...fica uma saudade muito grande! Vamos ser sempre os pais daquele bebé, ele será sempre o nosso filho ♡...♡♡ Com ele aprendemos a dar outro significado à vida, a cada segundo, cada momento. Aprendemos mais uma vez que nada nesta vida é garantido e que tudo se transforma em aprendizagem. Nao pretendo procurar os "porquês" nem os "ses"... apenas aprender que a natureza é perfeita e tudo sabe. Fica a saudade, uma saudade imensa de dar colinho bom, carinho....fica a saudade da minha barriguinha, de o sentir mexer e ouvir o seu coração, de ver a barriga a mexer...fica a saudade de tanta coisa! Descobrimos o verdadeiro amor por um filho, inexplicável e automático desde que nasce, antes até...um amor especial e único! ♡